Parece não haver muito mais dúvida de que o planeta está ficando febril. Mesmo os cientistas que dizem não ser possível ter certeza absoluta sobre o aquecimento global sugerem que é tempo de adotar o chamado princípio da precaução. Segundo esse princípio, na ausência da certeza científica formal, a existência de risco de um dano sério ou irreversível requer medidas que possam evitar o pior.
No lugar de ver o aquecimento da atmosfera como um dos sinais do Apocalipse, entendo que isso traduz novos tempos, que nos obrigam a achar novas respostas. O aquecimento global está fundamentalmente associado às atuais fontes de energia usadas em nossa sociedade de consumo. As respostas de sempre são basicamente o carvão e o petróleo. Alguns acreditam que trazer de volta uma resposta antiga como a energia nuclear é parte da solução. Os franceses, que têm 70% de sua matriz energética vinda desse tipo de opção, começam a proclamar que viveremos a “renascença nuclear”. O lobby nuclear francês já conseguiu o apoio do presidente Nicolas Sarkozy, que esteve pessoalmente na Líbia, na Arábia Saudita e na Síria mascateando o setor nuclear do seu país.
Em um caminho oposto, a Alemanha se comprometeu a zerar sua dependência da energia nuclear. Pretende desligar sua última central nuclear até 2021. Cumprir essa decisão não é um desafio fácil. Afinal, a Alemanha é o quinto país do mundo em consumo de energia elétrica. Só para comparar, no ano passado, o Brasil consumiu 400 bilhões de quilowatts, enquanto os alemães usaram 600 bilhões. Um terço disso veio das 17 usinas nucleares.
Só que a opinião pública alemã entendeu que os riscos de apostar na energia nuclear não valem a pena. Os alemães foram profundamente sensibilizados pelo acidente na usina nuclear ucraniana de Chernobyl em 1986, cujos efeitos até hoje atingem milhões de pessoas. Os ambientalistas souberam mostrar à sociedade alemã que Chernobyl era um caso exemplar de que os riscos da opção pela energia nuclear são altos demais. E souberam ainda mostrar que o destino final do lixo nuclear, que permanece ativo por milhões de anos, é um problema de resolução ainda pendente. Foi nesse contexto que a rejeição à energia nuclear tornou-se uma política de Estado, quando o Partido Verde alemão entrou na coalizão que chegou ao poder federal no ano 2000.
Para compensar, sem risco de apagão, essa perda de um terço de suas fontes atuais de energia elétrica, governo e empresários alemães resolveram apostar nas seguintes alternativas: aumentar a eficiência energética e investir mais em energias renováveis e sustentáveis, com destaque para a solar e a eólica (dos ventos). Os alemães também decidiram acelerar a pesquisa e o desenvolvimento do hidrogênio como opção energética.
A visão estratégica de governantes e empresários é que o investimento para compensar a política de zerar a dependência da energia nuclear tem um bônus estratégico. Apostam que a Alemanha pode se tornar o líder mundial em termos de sustentabilidade ambiental. Esse bônus já começa a aparecer. A Alemanha está na vanguarda de todas essas modalidades de conservação, eficiência e novas fontes sustentáveis, tanto no conhecimento científico e tecnológico quanto na produção. Desde
Por isso digo à minha filha adolescente, assustada com a visão do apocalipse ambiental, que uma parte da humanidade está empenhada em produzir inovações que vão nos conduzir a uma economia mais sustentável. Mesmo que, na maioria das vezes, isso ainda não seja manchete dos jornais.
Ricardo Neves é consultor de empresas e escreve quinzenalmente em ÉPOCA. É autor do livro Novo Mundo Digital, volume I da trilogia Renascença Digital, e também tem um blog.
Fonte: Revista Época
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